Este texto tem por escopo apresentar a diferenciação entre ciência e ideologia, bem como os riscos da adoção desta última como filosofia tanto no campo político quanto no jurídico. Afinal
de contas, o que se vê nos dias atuais são intermináveis debates travados na internet que em sua maioria são puramente ideológicos, podendo ser chamados de verdadeiros desatinos
cometidos em função da tecnologia.
Tornou-se comum as pessoas acordarem e se depararem com um enxame de “notícias” de primeira mão dando conta dos temas que se encontram em voga em nosso dia a dia,
principalmente os concernentes a COVID-19 e aos julgamentos proferidos pela nossa Suprema Corte.
Apesar de um tema dizer respeito a saúde e outro ao direito, basta uma breve passada de olhos para que se perceba o forte conteúdo ideológico que as discussões carregam, tendo causa
comum e seu epicentro questões a respeito de comunismo e capitalismo, esquerda e direita. […Contudo, convém salientar que a temática ideológica não é privilégio do marxismo, de vez
que antes dele muitos autores já vinham indagando sobre os condicionamentos de nossas ideias, cabendo ressaltar Francis Bacon, Helvetius, Condorcet, entre outros. …]1.
Esse saber ideológico muito se distancia do saber científico, visto que não se coaduna com métodos de investigação das ciências (física, biologia, economia, sociologia). Ante a
impossibilidade de as ciências obterem resultados imediatos e objetivos, a velocidade das informações trazidas pela rede mundial tem feito com que o primeiro perigosamente prevaleça
sobre o segundo.
Como a ideologia ao contrário da ciência, não se funda num saber teórico/prático e muitas vezes se origina dos mitos e os tem como valores incontestáveis para explicação última das coisas, não
raro corre-se o risco de obter-se uma forma de conhecimento obscuro, o qual poderá contaminar todos os ramos do saber científicos e filosóficos.
Segundo Mendes, “Não podemos deixar de assinalar que o objetivo primário de todos os ideólogos, desde Bacon até Poulantzas, tem sido a constatação unânime de que o conhecimento
ideológico é uma forma de pensamento falso. A dificuldade se apresenta no momento em que se constata a sua aparência de verdade, como algo que acabe por dominar o assentimento
individual e/ou coletivo.2
Retomando aos dias atuais, sem olvidar da garantia sagrada a liberdade de expressão, nos deparamos com diversas falsas notícias de cunho meramente ideológico que geram prints
instantâneos e tornam-se sofismas no seio da sociedade.
Isso ocorre com o COVID-19, onde população em sua maioria prefere seguir recomendações sem qualquer fundamento científico e não aceita seguir as recomendações médicas fundadas
nas pesquisas que foram possíveis de realizar durante esse ano.
Situação similar ocorre com os casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal e que ganham repercussão na mídia, os quais muitas vezes geram revolta e uma sensação coletiva de
prevalência da impunidade.
Preciso lembrar que vários juristas renomados e de moral ilibada se dividem a respeito dos temas votados naquela Corte. Se profissionais da área não chegam a um consenso acerca do
resultado de vários julgamentos, certamente é porque o caso concreto é complexo.
O fato é que o Direito além de ciência, é um sistema de normas, as quais devem ser rigorosamente observadas para que possa obter a segurança jurídica tão almejada por toda a
sociedade. Se as leis são imperfeitas e, com certeza o são, que se cobre o legislativo para que cumpra o seu papel ou alguém em sã consciência gostaria de participar de um processo onde as
regras não são observadas em decorrência da ideologia de cada um?
Enfim, antes de sair bravando críticas aos pesquisadores e aos ministros do STF, antes devemos refletir se estas são feitas com base em nossa ideologia ou na ciência, somente gera o caos social e a instabilidade emocional.
MARCELO MARTINS
OAB/PR sob n 21.422
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¹ Mendes, Antonio Celso. Direito, Ciência, Ideologia e Política. Pag. 08. Editora HDV. 1984.
² Op. Cit. P. 10/11;